Causidicus
2004-04-16
 
S T O P

Este blog fica, a partir de hoje, "adormecido".

Dizem que o seu autor poderá ser encontrado a arengar numa grande superfície.

Até sempre!

2004-04-14
 
A REFORMA DO PROCESSO PENAL
(notas à margem de um Acórdão recente)


A análise de várias propostas de reforma do Código de Processo Penal (CPP) tem estado na ordem do dia. Não sendo “especialista” na matéria, não irei aqui maçar os eventuais leitores deste blog com as m/ opiniões sobre o assunto, decerto pouco abalizadas. O alcance deste post é mais modesto. Visa, simplesmente, sugerir aos especialistas encartados da n/ blogosfera que integrem nesse debate os contributos inovatórios que me parecem resultar de um recente Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa relatado pelo Ven. Desembargador Dr. Telo Lucas.

Cumpre-me esclarecer, preliminarmente, que o Causidicus continua a entender não poder pronunciar-se sobre decisões judiciais concretas cujos autos não conhece. Qualquer comentário a uma decisão de que não se conhece o teor integral e cujos fundamentos o comentador não pôde avaliar no respectivo processo seria sempre, no mínimo, leviana. Não se entenda pois este post como um qualquer comentário, directo ou indirecto, à decisão proferida naquele caso concreto.

Em todo o caso, os alegados extractos do Acórdão divulgados na comunicação social (lidos no “CM” de 2004-04-03), mesmo que – porventura – inexactos ou retirados de contexto, suscitam, em si mesmos, pelo carácter inovador e criativo de que se revestem, um conjunto de reflexões que conviria analisar e aprofundar em sede de reforma do CPP. Quer para consagrar tais soluções – se forem entendidas como adequadas – quer para, na medida do possível, as afastar – se forem tidas como inconvenientes.

Até agora, havendo (como parece ter sido reconhecido neste Acórdão), fortes indícios de prática de crime doloso punível com determinada pena de prisão e perigo concreto de continuação da actividade criminosa, considerava a generalidade da n/ jurisprudência dever ser aplicada a medida de prisão preventiva se as demais medidas de coacção se revelassem, face ao circunstancialismo do caso, inadequadas ou insuficientes para prevenir a prática de novos crimes. A aplicação da medida de coacção pelo Tribunal devia garantir que o risco de continuação da actividade criminosa não poderia ser concretizado pelo arguido, aplicando-se a prisão preventiva aos casos em que tal garantia não poderia ser dada por outra medida de coacção, o que, evidentemente, em nada brigava com o carácter excepcional da aplicação da medida de prisão preventiva.

Inovando em relação a este paradigma, a doutrina que parece resultar dos alegados extractos do Acórdão em causa, dispensa uma efectiva garantia de não continuação da actividade criminosa assegurada por medidas de coacção aplicadas pelo Tribunal, confiando que, face a determinadas circunstâncias, o arguido se absterá da prática de novos crimes. A substituição de um princípio cautelar garantista (ou, se se preferir, de adequação às exigências cautelares requeridas pelo caso) por este novo e menos exigente princípio de confiança, que se satisfaz com uma provável abstenção do arguido, pode constituir uma das mais revolucionárias propostas de reforma do n/ ordenamento processual penal, suscitando também uma série de novas questões cujas implicações conviria fossem analisadas pelos teóricos e práticos desta área.

O aludido princípio de confiança, aplicado à escolha da medida de coacção face ao risco de continuação da actividade criminosa, parece decorrer, na doutrina em apreço, de dois sub-princípios. A confirmar-se a fidedignidade da doutrina divulgada pela comunicação social, seria a meu ver justo reconhecer o contributo inovatório do seu alegado autor, baptizando-os, por hipótese, de princípio do limiar de Telo e princípio do outsourcing coactivo de Lucas (caso os relatos da comunicação social não sejam, afinal, fidedignos, esta proposta de denominação fica, naturalmente, sem efeito).

O princípio do limiar de Telo parece assentar na convicção do efeito pedagógico da sujeição a prisão preventiva, defendendo que um cidadão que preze a sua liberdade pessoal, após ter sido sujeito a vários meses de prisão preventiva, tenderá a abster-se de praticar novos crimes, pelo receio da reaplicação daquela medida. A ser aceite este princípio, poderia o legislador definir um limiar, de “x” meses, após o qual a medida de prisão preventiva destinada a impedir a continuação da actividade criminosa seria obrigatoriamente substituída por outra medida de coacção, pelo menos nos casos de arguidos sem antecedentes criminais e que não revelassem indiferença pela sua liberdade. O carácter revolucionário de uma tal medida de política criminal dispensa comentários.

O princípio do outsourcing coactivo de Lucas é mais complexo. A confiança de que o arguido se absterá da continuação da actividade criminosa parece fundar-se, neste caso, na existência de mecanismos de controlo e escrutínio social e pelos media, decorrentes da especial exposição pública do arguido e do interesse social e mediático que o mesmo desperta. Também aqui o Tribunal deixa de garantir a impossibilidade da prática de novos crimes, confiando num outsourcing coactivo assente no escrutínio social e mediático.

A aplicação de um tal princípio levanta, porém, problemas extremamente complexos, alguns dos quais referirei telegraficamente. Como se concilia a protecção dos direitos do arguido libertado (direito à imagem, à liberdade de movimentos, a não ser importunado,...) com o funcionamento intrínseco dos mecanismos de outsourcing coactivo que fundamentaram a sua libertação? O reconhecimento da existência e do papel destes mecanismos de controlo extra-judiciais pode, em algumas circunstâncias, determinar a existência de causas de justificação para intromissões na reserva de intimidade e vida privada do arguido, designadamente quando os crimes que lhe são imputados decorrem, pela natureza das coisas, em locais reservados e fora do normal escrutínio público? Como e com que periodicidade se afere da subsistência destes mecanismos de controlo, face ao decurso do tempo e à volubilidade do interesse público e mediático?

Mas as potencialidades deste interessante princípio não se restrigem ao campo do Direito. A sua importância económica também deve ser relevada. Como em qualquer situação de outsourcing, uma eventual generalização da aplicação deste princípio deverá determinar a contratualização de alguns dos aspectos a ele inerentes. Não será de excluir que, no futuro, os Tribunais possam contratualizar a efectiva prestação e continuidade destes mecanismos de controlo, independentemente da evolução das agendas mediáticas e/ou sociais, por exemplo com uma pool de jornalistas ou com grupos de cidadãos, abrindo novas oportunidades de negócio, de redução do desemprego e criação de riqueza. A instituição desta possibilidade, por via legislativa, poderia até assegurar obrigações do Estado decorrentes do princípio da igualdade. Em determinadas circunstâncias a definir pelo legislador, mesmo presos preventivos menos conhecidos e/ou mediáticos poderiam requerer a substituição da prisão preventiva por mecanismos de ousourcing coactivo desta natureza, suportados pelo Estado. E as potencialidades desta doutrina ao nível da retoma da nossa economia nem sequer ficam por aqui... A contratualização do outsourcing coactivo exigiria decerto a criação de entidades de certificação, de fiscalização e até de formação profissional específica (por ex., o que deve um jornalista outsourcer coactivo fazer caso suspeite estar a presenciar uma entrega de uma qualquer “TelePutos” a arguido indiciado por pedofilia?).

Tenho ainda uma angustiosa dúvida final. Caso um preso preventivo libertado à luz deste princípio da confiança venha, não obstante, a praticar novos crimes, quem deve ser responsabilizado, designadamente em sede de eventual responsabilidade civil: apenas o arguido, ou também o Estado (pelo risco criado)?

As problemáticas - mas também as potencialidades - destes princípios que questionam o paradigma vigente são imensas. Aqui fica o repto para que sejam aprofundadas, também em abstracto, por alguém mais capaz. A criatividade dos juristas - é sabido - não conhece limites.
2004-04-11
 
Poema de Domingo:


Les fiançailles (extracto)

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J'observe le repos du dimanche
Et je loue la paresse
Comment comment réduire
L'infiniment petite science
Que m'imposent mes sens
L'un est pareil aux montagnes au ciel
Aux villes à mon amour
Il ressemble aux saisons
Il vit décapité sa tête est le soleil
Et la lune son cou tranché
Je voudrais éprouver une ardeur infinie
Monstre de mon ouïe tu rugis et tu pleures
Le tonnerre te sert de chevelure
Et tes griffes répètent le chant des oiseaux
Le toucher monstrueux m'a pénétré m'empoisonne
Mes yeux nagent loin de moi
Et les astres intacts sont mes maîtres sans épreuve
La bête des fumées a la tête fleurie
Et le monstre le plus beau
Ayant la saveur du laurier se désole

.........................................................................


Guillaume Apollinaire, Alcools.
2004-04-04
 
FÉRIAS CAUSIDICAIS:

Vou para férias, para bem longe da grande Lisboa, pelo menos até ao próximo Domingo. Não devo ter possibilidade de blogar nesse período. Declino igualmente toda e qualquer responsabilidade pelo controlo social de ex-presos preventivos que tenham sido libertados nesse pressuposto. Para que conste.


Poema de Domingo:

DOMINGO

Quando chega domingo,
faço tenção de todas as coisas mais belas
que um homem pode fazer na vida.

Há quem vá para o pé das águas
deitar-se na areia e não pensar...
E há os que vão para o campo
cheios de grandes sentimentos bucólicos
porque leram, de véspera, no boletim do jornal:
« Bom tempo para amanhã»...
Mas uma maioria sai para as ruas pedindo,
pois nesse dia
aqueles que passeiam com a mulher e os filhos
são mais generosos.
Um rapaz que era pintor
não disse nada a ninguém
e escolheu o domingo para se matar.
Ainda hoje a família e os amigos
andam pensando porque seria.
Só não relacionam que se matou num domingo!
Mariazinha Santos
(aquela que um dia se quis entregar,
que era o que a família desejava,
para que o seu futuro ficasse resolvido),
Mariazinha Santos
quando chega domingo,
vai com uma amiga para o cinema.
Deixa que lhe apalpem as coxas
e abafa os suspiros mordendo um lencinho que sua mãe lhe bordou,
quando ela era ainda muito menina...
Para eu contar isto
e que conheço todas as horas que fazem um dia de domingo!
À hora negra das noites frias e longas
sei duma hora numa escada
onde uma velha põe sua neta
e vem sorrir aos homens que passam!
E a costureirinha mais honesta que eu namorei
vendeu a virgindade num domingo
— porque é o dia em que estio fechadas as casas de penhores!


Há mais amargura nisto
que em toda a História das Guerras.


Partindo deste principio.
que os economistas desconhecem ou fingem desconhecer,
eu podia destruir esta civilização capitalista, que inventou o domingo.
E esta era uma das coisas mais belas
que um homem podia fazer na vida!


Então.
todas as raparigas amariam no tempo próprio
e tudo seria natural
sem mendigos nas ruas nem casas de penhores...


Penso isto, e vou a grandes passadas...
E um domingo parei numa praça
e pus-me a gritar o que sentia.
mas todos acharam estranhos os meus modos
e estranha a minha voz...
Mariazinha Santos foi para o cinema
e outras menearam as ancas
— ao sol
como num ritual consagrado a um deus! —
até chegar o homem bem-amado entre todos
com uma nota de cem na mão estendida...


Venha a miséria maior que todas
secar o último restolho de moral que em mim resta;
e eu fique rude como o deserto
e agreste como o recorte das altas serras;
venha a ânsia do peito para os braços!


E vou a grandes passadas
como um louco maior que a sua loucura...
O rapaz que era pintor
aconchegou-se sobre a linha férrea
para que a morte o desfigurasse
e o seu corpo anónimo fosse uma bandeira trágica
de revolta contra o mundo.
Mas como o rosto lhe estava intacto
vai a família ao necrotério e ficou aterrada!
Conheci-o numa noite de bebedeira
e acho tudo aquilo natural.
A costureirinha que eu namorei
deixava-se ir para as ruas escuras
sem nenhum receio.
Uma vez que chovia até entrámos numa escada.
Somente sequer um beijo trocámos...
E isto porque no momento próprio
olhava para mim com um propósito tão sereno
que eu, que dela só desejava o corpo bom feito
me punha a observar o outro aspecto do seu rosto,
que era aquela serenidade
de pessoa que tem a vida cheia e inteira.
No entanto, ela nunca pôs obstáculo
que nesse instante as minhas mãos segurassem as suas.
Hoje encontramo-nos ai pelos cafés...
(ela está sempre com sujeitos decentes)
e quando nos fitamos nos olhos.
bem lá no fundo dos olhos,
eu que sou homem nascido
para fazer as coisas mais heróicas da vida
viro a cabeça para o lado e digo:
— rapaz, traz-me um café...
O meu amigo, que era pintor,
contou-me numa noite de bebedeira:
— Olha,
quando chega domingo,
não há nada melhor que ir para o futebol...
E como os olhos se me enevoassem de água,
continuou com uma voz
que deve ser igual à que se ouve nos sonhos:
— .... no entanto, conheço um homem
que ia para, a beira do rio
e passava um dia inteirinho de domingo
segurando uma cana donde caia um fio para a água...
... um dia pescou um peixe,
e nunca mais lá voltou...
O pior é pensar:
que hei-de fazer hoje, que toda a gente anda alegre
como se fosse uma festa?... —
O rapaz que era pintor sabia uma ciência rara,
tão rara e certa e maravilhosa
que deslumbrado se matou.


Pago o café e saio a grandes passadas.
Hoje e depois e todos os dias que vierem,
amo a vida mais e mais
que aqueles que sabem que vão morrer amanhã!

Mariazinha Santos,
que vá para o cinema morder o lencinho que sua mãe lhe bordou...
E os senhores serenos, acompanhados da mulher e dos filhos,
que parem ao sol
e joguem um tostão na mão dos pedintes.......
E a menina das horas longas e frias
continue pela mão de sua avó...
E tu, que só andas com cavalheiros decentes,
ó costureirinha honesta que eu namorei um dia,
fita-me bem no fundo dos olhos,
fita-me bem no fundo dos olhos!



Então,
virá a miséria maior que todas
secar o último restolho de moral que em mim resta;
e eu ficarei rude como o deserto
e agreste como o recorte das altas serras:
e virá a ânsia do peito para os braços!

Domingo que vem,
eu vou fazer as coisas mais belas
que um homem pode fazer na vida!



Manuel da Fonseca


Agradeço aos simpáticos linkadores:

O Coice que Abril Deu e Ser Portugues (Ter que).
2004-04-02
 
NÃO ERA MAL PENSADO...

Pedro Caeiro brinda-nos hoje com os primeiros resultados bombásticos do seu novo “detector de petas”. Ficamos a saber que: “não é verdade que o José da Grande Loja do Queijo Limiano seja o Dr. José Adriano Souto de Moura”. Esta revelação não será de todo surpreendente, mas dá que pensar. A julgar pelo que o dito José tem escrito em blogs, o Causidicus não desgostaria de o ver ocupar o cadeirão do Palácio Palmela...
2004-04-01
 
VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS EM OUTSOURCING?

“(...)
The U.N. body that provides authoritative interpretations of a key international human rights treaty issued an opinion yesterday that would indicate the United States cannot use offshore facilities like Guantanamo to evade responsibility for human rights violations, Human Rights Watch said today.
(…)
"The Human Rights Committee has sent a strong message that states cannot avoid their international human rights obligations by outsourcing their detention centers," said Kenneth Roth, executive director of Human Rights Watch. "The Bush administration's trick of detaining people at Guantanamo won't work under international law."
(…)”
.

(Ler aqui).


ESCRITA EM DIA

Os “homens do Norte” estão imparáveis...

Finalmente, Magistrados e Jornalistas debatem – em discurso quase directo e sem “papas na língua” – o caso Casa Pia e a Justiça em geral. Só podia ser na blogosfera. O blog da Cordoaria está ao rubro com a troca de galhardetes entre vários Cordoeiros e a Jornalista Tânia Laranjo do “JN”. A não perder (enquanto o sistema de comentários aguentar)...

A equipa d’ Os Cordoeiros não pára de crescer e de alargar a sua abrangência territorial. Avizinham-se tempos de hegemonia do MP na blawgosfera? Já quase acredito no post de hoje sobre o convite da Ministra...

As pedras de Roseta e o Ministério Público (2)

A Dra. Liliana Palhinha teve a amabilidade de retomar esta temática n’ Os Cordoeiros, onde publicou interessantes esclarecimentos cuja leitura me permito sugerir (posts de 29 e 31 de Março).

Brel
“(…)Les vieux ne rêvent plus, leurs livres s'ensommeillent, leurs pianos sont fermés
Le petit chat est mort, le muscat du dimanche ne les fait plus chanter(…)”


Partilho com a estimada 1poucomais a paixão pelas canções de Brel. As que aqui publiquei não serão sequer as minhas preferidas. Foram seleccionadas para o “ciclo” dos Poemas de (e sobre o) Domingo. Num belo post de 24 de Março, a “Azulinha” (como diz o atrevido do Alex) fala de Brel e da velhice e publica uma das canções que mais me impressionou e que aqui pensava trazer num dos próximos domingos. Naturalmente, não a repetirei neste blog, mas atrevo-me a sugerir que recordem, “Les vieux”.

Muito obrigado!

Agradeço os links dos blogs A Amiga de História, Sesimbra e Um pouco mais de azul.

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