Causidicus
2003-09-30
 
Gazeta da Blogosfera

O Aviz voltou de mansinho esta madrugada!

O Socio(b)logue continua desaparecido. Faz falta.

Um novo blog apresentou recentemente credenciais. Descubram A Terrível Verdade.
2003-09-29
 
Caso “Casa Pia”: os acórdãos do TC e a Síndrome da Grande Descoberta.

A mediatização de certas actividades é tradicionalmente afectada pela Síndrome da Grande Descoberta (SGD). Novidades que os profissionais do sector considerariam banais, previsíveis ou de interesse limitado, são apresentadas ao público não especializado como “Grandes Descobertas”, com recurso a superlativos que as transfiguram num acontecimento único e marcante. Por iniciativa dos media - que vivem da venda do invulgar ou do inédito – ou ao serviço de estratégias de promoção pessoal, essas actividades raramente são noticiadas sem virem à baila expressões como “a maior”, “a mais antiga”, “nunca vista”, ou “que irá obrigar a rever tudo a que sabíamos”, indícios seguros da presença da SGD.

Até agora a Justiça tinha estado à margem da SGD. Por um lado porque o Direito e a sua aplicação têm, apesar de tudo, um elevado índice de previsibilidade. Num sistema em que até os mais reputados Juristas reconhecem a dificuldade em acompanhar as evoluções legislativas, manter o princípio de que “a ignorância da Lei não aproveita a ninguém” só é possível porque o todo social continua a conhecer os princípios fundamentais que norteiam o ordenamento jurídico (muitos deles multisseculares) e as soluções que a jurisprudência dominante vai criando para os casos mais relevantes. Por outro lado porque a mediatização do mundo judiciário era incipiente.

Com o caso “Casa Pia” tudo mudou. A natureza dos alegados crimes e a notoriedade social, mediática e política dos arguidos, conferiram a este caso uma exposição nunca vista. As exigências da concorrência entre os media e as estratégias dos vários intervenientes no processo têm dado origem a desenvolvimentos mediáticos que se afiguram muito problemáticos do ponto de vista da respectiva deontologia profissional (assunto a que um destes dias provavelmente voltarei) e abriram as portas para a infecção do caso com a Síndrome da Grande Descoberta.

As notícias e reacções relativas aos recentes Acórdãos do Tribunal Constitucional são disso exemplo paradigmático. As decisões do TC deram origem a títulos como “revolução na justiça” ou “decisão histórica”, quando, em boa verdade, se limitaram a confirmar a jurisprudência deste tribunal nas matérias em causa e as soluções que a generalidade dos comentadores vinha defendendo. Revolucionárias ou históricas teriam sido decisões de sentido oposto às que vieram a ser tomadas. Vejamos, sumariamente, a título de exemplo, os casos mais significativos.

Relativamente à matéria abordada no recurso Paulo Pedroso, havia quem defendesse, em abstracto, que verificadas determinadas circunstâncias o Juíz de instrução poderia-deveria antecipar o reexame dos pressupostos da medida de coacção, mesmo na pendência de recurso e quem defendesse que tal não era possível. Porém, os comentadores eram praticamente unânimes no entendimento de que, em qualquer dos casos, o Tribunal da Relação deveria ter conhecido do recurso interposto do despacho inicial. Esta opinião, dominante na comunidade jurídica, foi confirmada pelo TC, que disse expressamente que a mesma se inseria “na sua anterior jurisprudência” para casos idênticos. Verdade seja dita, que mesmo na Relação de Lisboa, já havia decisões nesse sentido, como por exemplo o Acórdão de 16-03-2000 (R. 1943/2000) assim sumariado:
“I - Se posteriormente ao despacho recorrido o juiz efectuou o reexame dos pressupostos da prisão preventiva e concluiu que os mesmos permaneciam inalterados, determinando que o arguido continuasse a aguardar os ulteriores termos do processo sujeito à mesma medida de coacção, o recurso interposto do despacho que ordenou a prisão preventiva, e ainda não decidido, não perdeu utilidade. II - Entender-se o contrário, conduziria a que se o tribunal de 1ª instância viesse a proceder, antes de decidido o recurso, a novo reexame oficioso dos pressupostos da prisão preventiva, mantendo tal medida de coacção, impossibilitaria o tribunal superior de conhecer daquele. III - Conduzindo a que os fundamentos da decisão recorrida e, logo, as razões aduzidas pelo arguido no requerimento sobre o qual ela recaiu, não mais seriam objecto de reapreciação por uma instância superior.” (in Bol. do Min. da Just., 495, 357).

Quanto à questão da concretização dos factos que aos arguidos são imputados e do acesso dos arguidos aos meios de prova que sustentam a aplicação da medida de coacção, veio o TC dizer que os factos têm que ser minimamente concretizados e que o acesso às provas só pode ser negado, fundamentadamente, com base numa ponderação concreta entre os interesses da defesa e os interesses da investigação criminal e da protecção de testemunhas especialmente vulneráveis. Trata-se, também aqui, de uma decisão que se insere na anterior jurisprudência do TC, como se refere no texto divulgado (cf. o Acórdão nº. 121/97, aqui sumariado, cujo texto integral pode ser procurado aqui). Sem prejuízo da crítica que implicitamente decorre a procedimentos ainda arreigados em alguns magistrados judiciais e do MP, não se vislumbra nenhuma decisão inédita, revolucionária ou histórica. Pelo contrário, o TC teve o cuidado de salvaguardar a concordância prática entre valores constitucionalmente tutelados, não admitindo necessariamente o acesso aos autos nos termos reivindicados pelos arguidos e até já aceites em alguns casos pelos tribunais superiores (designadamente na Relação do Porto).

Conclui-se desta breve digressão - que aflora o caso concreto apenas no estritamente necessário ao esclarecimento da bondade do tratamento mediático que lhe foi dado - que o real significado destes importantes Acórdãos do TC não corresponde, de todo, ao que se pretendeu passar para a opinião pública. O TC confirmou o que parece ser o entendimento maioritário na comunidade jurídica, reiterando as linhas orientadoras da sua anterior jurisprudência nestas matéria, que não é, sequer, inédita em decisões dos Tribunais da Relação. Ficou demonstrado que o sistema funciona e tem em si os mecanismos de controlo adequados. O único aspecto a salientar é que, nestes casos, a jurisprudência mais acertada só foi proferida na última instância - o que sucede, da mesma forma, em milhares de outros processos todos os anos.

A avaliação grandiloquente das implicações destes Acórdãos do TC que a generalidade dos media transmitiu à opinião pública, revela à saciedade que a Justiça deixou de estar imune à Síndrome da Grande Descoberta. Ao espectáculo da Justiça veio juntar-se a exploração do pretensamente novo, insólito ou excepcional. Uma vez mais, o rigor da informação é postergado pela criação de um ruído mediaticamente mais atraente, ou estrategicamente mais conveniente.

Alguns operadores judiciários poderão ter a tentação de encarnar o papel de Indiana Jones da Justiça. Alguns jornalistas poderão não resistir à sedução da Síndrome da Grande Descoberta. Uns e outros deverão ter presente que a sua credibilidade, a prazo, poderá ser seriamente comprometida pelos devaneios do presente.



Uma birra pouco Veneranda

Depois disto, o Exmº. Desembargador Presidente do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa deve, no mínimo, um pedido de desculpas à jornalista Sofia Pinto Coelho, ao camera man João Duarte e à SIC. E deve colocar o cargo à disposição dos seus pares.


Novo dito cubano:

“Mudo que nem um Lula”.


Arqueologia e Arqueometria

O Grupo Património Cultural e Ciências do ITN, organiza em Lisboa, na Fundação Calouste Gulbenkian, entre 27 e 31 de Outubro de 2003, o próximo “European Meeting on Ancient Ceramics”. O programa científico pode ser consultado aqui.
2003-09-28
 
Poema de Domingo:


Poema que Aconteceu

Nenhum desejo neste domingo
nenhum problema nesta vida
o mundo parou de repente
os homens ficaram calados
domingo sem fim nem começo.

A mão que escreve este poema
não sabe o que está escrevendo
mas é possível que se soubesse
nem ligasse.

Carlos Drummond de Andrade


Blogosfera

Um dos melhores blogs portugueses mudou de imagem e de poiso e está aqui. Aproveito para agradecer ao Fumaças o amável link para o Causidicus.

Agradeço ao Arqueoblogo, que é para mim de leitura obrigatória, a simpática referência de 2003-09-23.

Os que apreciaram a colaboração de PV no Causidicus em 2003-08-11 podem agora visitar o seu blog. Sugestões enobloguísticas a não perder!
2003-09-22
 
Da teoria à prática:

Processos por e-mail entopem tribunais.


Escutas telefónicas:

A opinião do Bastonário José Miguel Júdice.


Conselhos do mais fiel aliado:

Law chief calls on US to give terror suspects fair trial

“(…) Lord Goldsmith, the Attorney General, told an audience in San Francisco: "The goal of the terrorist is not only to kill, maim and destroy but also to undermine our societies.
"That aim is furthered if democratic governments place those suspected of terrorist crimes outside the law and compromise on their fundamental principles."
Lord Goldsmith was addressing the International Bar Association's annual conference but was clearly aiming his remarks at the Bush administration.
(…)
He said: "We cannot allow our long established and hard won system of justice and of liberty to be swept away in the after-shock of a suicide bomb. Otherwise the terrorists will have robbed us of our freedoms and will have won." (…)”.

Ler aqui.
2003-09-21
 
Poema de Domingo:


POEMA DESTINADO A HAVER DOMINGO

Bastam-me as cinco pontas de uma estrela
E a cor dum navio em movimento
E como ave, ficar parada a vê-la
E como flor, qualquer odor no vento.

Basta-me a lua ter aqui deixado
Um luminoso fio de cabelo
Para levar o céu todo enrolado
Na discreta ambição do meu novelo.

Só há espigas a crescer comigo
Numa seara para passear a pé
Esta distância achada pelo trigo
Que me dá só o pão daquilo que é.

Deixem ao dia a cama de um domingo
Para deitar um lírio que lhe sobre.
E a tarde cor-de-rosa de um flamingo
Seja o tecto da casa que me cobre

Baste o que o tempo traz na sua anilha
Como uma rosa traz Abril no seio.
E que o mar dê o fruto duma ilha
Onde o amor por fim tenha recreio.

Natália Correia, Passaporte, 1958.
2003-09-19
 
A imagem da Arqueologia na cultura popular

Certas profissões têm o condão de despertar enorme interesse na opinião pública. Porém, a imagem que é percepcionada pelos leigos e que sustenta essa notoriedade, raras vezes corresponde à realidade vivida ou sentida pelos profissionais do ofício em causa.
Quando falamos da profissão de advogado, surgem inevitavelmente incontáveis lawyer jokes, nas quais a maioria dos causídicos se não revêm mas que têm sucesso garantido junto de audiências de qualquer época ou latitude. Da mesma forma, os arqueólogos dificilmente despem a pele de Indiana Jones ou Lara Croft que a cultura de massas teima em difundir.
Num momento em que a arqueologia portuguesa começa a ser reconhecida como profissão socialmente relevante, que alia a investigação do passado a questões fundamentais da política do património cultural e do desenvolvimento sustentável, compreende-se que os arqueólogos não se conformem com a imagem pública da sua profissão. Vejam-se, por exemplo, os posts de Marcos Osório no Arqueoblogo sobre o fenómeno Lara Croft (em especial o post 47 de 26 de Agosto p.p.) ou o post de 05 de Setembro p.p. do Arqueolvgvs.
Por outro lado, a imagem que o público tem da arqueologia não deixa de influir na modo como as sociedades se relacionam com o património cultural, podendo potenciar ou prejudicar a difusão de conhecimento, a fruição ou a própria salvaguarda dos bens culturais. Esta temática está presentemente a ser objecto de um projecto de investigação, patrocinado pela Comissão Europeia, intitulado “The portrayal of archaeology in contemporary popular culture - opportunity or obstacle for the promotion of cultural heritage?” (ver aqui).
O responsável pelo projecto é o arqueólogo Cornelius Holtorf, conhecido também pelos seus trabalhos em Portugal (especialmente depois de ter incluído três beatas de cigarro deixadas pelo Doutor Jorge Oliveira nos resultados de uma escavação nos arredores de Évora – cf. Journal of Iberian Archaeology, vol. 4, 2002, pp. 177-201). Em finais de Agosto p.p., disponibilizou um primeiro inventário de personagens de arqueólogos com larga divulgação na cultura popular (ver aqui), que parece confirmar a predominância das imagens tradicionais do investigador lunático ou do aventureiro caçador de tesouros.
Um dos grandes combates dos arqueólogos do século XXI passará, provavelmente, pelo reposicionamento da imagem pública da sua profissão. A afirmação da maturidade da disciplina, o reconhecimento do seu relevo social e o adequado relacionamento do público com a arqueologia dependem, em muito, do resultado desse combate. Sabe-se, porém, pela experiência de outras profissões cuja imagem é frequentemente distorcida, que se trata de um combate sem fim e de resultado muito incerto...
Podemos também questionar se certos arqueólogos, ainda que involuntariamente, não estarão a contribuir para a persistência do paradigma do arqueólogo excêntrico ou do arqueólogo aventureiro, pela imagem pessoal que adoptam e que, em muitos aspectos, não se explica facilmente por exigências funcionais da sua actividade. Num livro em que a brincar vai dizendo coisas muito sérias, o arqueólogo Paul Bahn afirma que ”eccentricity is a hallmark of the profession” e acrescenta:
“You can recognise an archetypal archaeologist from the beard, curved pipe, shapeless sweater or T-shirt, and sandals or hiking boots - and that’s only the women.”.
(Paul Bahn, Bluff your way in Archaeology, Ravette Books, 1989, p. 7).


Cuba Livre!

Artigo de Havel, Walesa e Goncz no “Público” de ontem.


De Guantanamera a Guantanamo...

Artigo de Rogério Alves, Presidente do Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, no “Portugal Diário”.
2003-09-14
 
Poema de Domingo:


Coimbra, 29 de Julho de 1984

ACORDE

Mais um Domingo inútil no calendário.
A não ser que um poema o torne necessário
À cósmica harmonia.
O gorjeio de um pássaro na paisagem
Parada
Torna-lhe a imagem
Animada
Nos olhos de quem ouve a melodia.

Miguel Torga, Diário (vols. IX a XVI), Publicações D. Quixote, 2a. ed. (integral), 1999, p. 1514.
2003-09-12
 
GUANTANAMO FOREVER?
Donald Rumsfeld anunciou que os EUA não pretendem julgar a maioria dos detidos em Guantanamo mas sim mantê-los presos até ao final da “global war on terrorism” (ler aqui). Palavras para quê? Resta a esperança de que a Justiça ou os eleitores dos EUA ponham rapidamente termo a esta reinvenção de um mundo em que a Constituição dos EUA ainda não vigorava.

AVISO À NAVEGAÇÃO
Causidicus é um blog dedicado à Sociedade Aberta, Justiça, Media, Cultura, Património, Ambiente e o mais que lembre.
Continua a ser um blog unipessoal, sem pretensões de frequência ou de programação.
A partir da próxima semana, acrescidas obrigações profissionais e familiares do escriba residente tornarão, muito provavelmente, este Causidicus ainda mais intermitente.
Causidicus assegura o direito de resposta e disponibilizará a identificação do(s) autor(es) dos textos aos eventuais visados que lhe(s) queiram exigir responsabilidades.
Agradece qq. comentários dos leitores e responderá aos contactos recebidos no endereço:
causidicus@mail.pt


DE REGRESSO AO BLOG

Começo por agradecer ao estimado guest blogger que não deixou hibernar o Causidicus durante as minhas férias. Os seus posts revelaram que os cultores das ciências mais exactas também têm almas de literatos. Faço votos de que continue a enviar colaborações.

Numa rápida prospecção pela blogosfera, verifico que blogs muito interessantes se finaram e que outros igualmente interessantes apareceram.

Lamento em especial o fim de O Céptico, cujo autor promete um novo projecto lá para Outubro.

Dos blogs aparecidos mais recentemente destaco, para já, os que pude ler com atenção: Abram os Olhos (um blog com um estilo muito próprio e excelentes textos), Arqueolvgvs (um novo blog dedicado à Arqueologia que vem fazer companhia aos já indispensáveis Arqueoblogo e Naufrágios) e De Tudo Um Pouco (que é isso mesmo).

Alguns blogs incluiram entretanto links para o Causidicus nos quais só agora reparei: Abram os Olhos, Bloguítica Internacional, Carimbo, Mata-Mouros, Musana, Pintainho, Valete Fratres e Vastulec. Muito obrigado a todos!
2003-09-07
 
Poema de Domingo:

Do serca w niedzielę

Dziękuję ci, serce moje,
że nie marudzisz, że się uwijasz
bez pochlebstw, bez nagrody
z wrodzonej pilności.

Masz siedemziesiąt zasług na minutę.
Każdy twój skurcz
jest jak zepchnięcie łodzi
na pełne morze
w podróż dookoła świata.

Dziękuję ci, serce moje,
że raz po raz
wyjmujesz mnie z całości
nawet we śnie osobną.

Dbasz, żebym nie prześniła się na wylot,
na wylot,
do którego skrydeł nie potrzeba.

Dziękuję ci, serce moje,
że obudziłam się znowu
i chociaż jest niedziela
dzień odpoczywania,
pod żebrami
trwa zwykły predświąteczny ruch.


Wislawa Szymborska

(prémio Nobel de Literatura 1996)




Ao coração num domingo



Eu te agradeço, coração,
A diligência, porque te esfalfas
Sem adulações,sem prémios,
Numa inata urgência.

Tens setenta merecimentos por minuto.
Cada tua contracção
é como um impulso a um barco
no mar alto
em rota de circum-navegação.

Eu te agradeço, coração,
Por uma vez e outra ainda
me ires retirando de um todo
mesmo no sonho separada.

E zelas porque não sonhe um voo fundo
um voo tão fundo
que torne desnecessárias as asas.

Eu te agradeço, coração,
por mais uma vez ter acordado,
e por, embora domingo,
dia de descanso,
sob as costelas
ir o fernesim normal das sextas-feiras.

Tradução de Júlio Sousa Gomes, Paisagem com Grão de Areia, Relógio de Água, 1998

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