Causidicus
2004-02-29
 
Poema de Domingo:


A MARCHA ALMADANIM

Nos domingos antigos do bibe e pião
saía a Tuna do Zé Jacinto
tangendo violas e bandolins
tocando a marcha Almadanim.

Abriam janelas meninas sorrindo
parava o comércio pelas portas
e os campaniços de vir à vila
tolhendo os passos escutando em grupo.

Moços da rua tinham pé leve
o burro da nora da Quinta Nova
espetava orelhas apreensivo

Manuel da Água punha gravata!
Tudo mexia como acordado
ao som da marcha Almadanim
cantando a marcha Almadanim.

Quem não sabia aquilo de cor?
A gente cantava assobiava aquilo de cor
(só a Marianita se enganava
ai só a Marianita se enganava
e eu matava-me a ensinar)
que eu sabia de cor
inteirinha de cor
e para mim domingo não era domingo
era a marcha Almadanim!

Entretanto as senhoras não gostavam
faziam troça dizendo coisas
e os senhores também não gostavam
faziam má cara para a Tuna:
que era indecente aquela marcha
parecia até coisa de doidos:
não era música era raiva
aquela marcha Almadanim.

Mas José Jacinto não desistia.
Vinha domingo e a Tuna na rua
enchendo a rua enchendo as casas.
Voavam fitas coloridas
raspavam notas violentas
rasgava a Tuna o quebranto da vila
tangendo nas violas e bandolins
a heróica marcha Almadanim!

Meus companheiros antigos de bibe e pião
agora empregados no comércio
desenrolando fazenda medindo chita
agora sentados
dobrados nas secretárias do comércio
cabeças pendidas jovens-velhinhos
escrevendo no Deve e Haver somando somando
na vila quieta
sem vida
sem nada
mais que o sossego das falas brandas-
onde estão os domingos amarelos verdes azuis encarnados
vibrantes tangidos bandolins fitas violas gritos
da heróica marcha Almadanim!

Ó meus amigos desgraçados
se a vida é curta e a morte infinita
despertemos e vamos
eia!
Vamos fazer qualquer coisa de louco e heróico
como era a Tuna do Zé Jacinto
tocando a marcha Almadanim!

Manuel da Fonseca


Correspondência em atraso

Continua muito difícil o acesso ao mail.pt. Devo ter correspondência em atraso. Nada neste país funciona?


BLAWGS (2)

O Ad Libitum comentou o meu post sobre este assunto. Descobri assim mais um blog colectivo generalista em que o Direito marca presença.


MAIS AGRADECIMENTOS

da praxe a simpáticos e insensatos bloggers que criaram links para o Causidicus, a saber: Holocénico, respublica e (uns) meridianos.
2004-02-26
 
ECOS DA BLOGOSFERA:


Novidades nos blogs de Arqueologia

Foi criado esta semana o Holocénico, um blog com uma “perspectiva pós-plistocénica do mundo” no qual “as questões arqueológicas (...) merecerão um especial carinho”. A julgar pelos posts já publicados, vai dar que falar.

O Filipe e o Marcos anunciam um novo blog, dedicado à civilização romana (ver aqui).


Blawgs: blogs on law.

No universo dos blogs, muitos distinguem a galáxia Blawgs (ou dos Law Blogs). Um blawg é, como o nome indica, um blog especializado em temáticas jurídicas e/ou judiciárias ou em assuntos de especial interesse para pessoas da área do Direito (professores, estudantes, magistrados, advogados,...).

Já existem vários directórios de blawgs (como este dos EUA) e, pelo menos, um Blawg Ring.

Em Portugal, que saiba, o termo ainda não foi “aportuguesado” (à semelhança do famigerado “blogue”), talvez porque o fenómeno dos blawgs portugueses tem ainda escassa dimensão. São talvez mais numerosos os sites pessoais de juristas do que os blawgs propriamente ditos.

Falando apenas dos blogs portugueses que conheço e consulto regularmente (que são poucos), destacaria como blawgs “puros e duros” Os Cordoeiros e o Porta da Loja, curiosamente ambos muito ligados à área do Ministério Público. Podem também inserir-se na definição alguns blogs individuais generalistas nos quais o Direito é presença frequente (por ex. o Ignorancia, do causídico Pedro Guilherme-Moreira e o A Torto e a Direito, de Campos da Costa). Como parentes próximos temos vários blogs colectivos, ainda mais generalistas, mas que abordam com frequência e pertinência temas jurídicos, como, por ex., os bem conhecidos Causa Nossa, Carvalhadas-on-line, Grande Loja do Queijo Limiano, Mar Salgado e Mata-Mouros.

Há certamente muitos outros que infelizmente não conheço. Desde já agradeço sugestões de blawgs a consultar, de que aqui irei dando nota.


Agradeço

ao Jumento e ao Chamissassa os links para o Causidicus,

as simpáticas referências d’ Os Cordoeiros

e a amizade e interpelações para debate do incansável Blog do Alex.



ÚLTIMAS SOBRE GUANTANAMO:

Conhecidas as primeiras acusações (ler aqui e aqui).

Oficiais do Pentágono esclareceram que os prisioneiros de Guantanamo podem continuar detidos mesmo que venham a ser absolvidos pelos tribunais militares, caso sejam considerados um risco para a segurança dos EUA (ler aqui)!
2004-02-22
 
35º. Poema de Domingo:


Retrato do Artista em Cão Jovem

Com o focinho entre dois olhos muito grandes
por trás de lágrimas maiores
este é de todos o teu melhor retrato
o de cão jovem a que só falta falar
o de cão através da cidade
com uma dor adolescente
de esquina para esquina cada vez maior
latindo docemente a cada lua
voltando o focinho a cada esperança
ainda sem dentes para as piores surpresas
mas avançando a passo firme
ao encontro dos alimentos

aqui estás tal qual
és bem tu o cão jovem que ninguém esperava
o cão de circo para os domingos da família
o cão vadio dos outros dias da semana
o cão de sempre
cada vez que há um cão jovem
neste local da terra


António José Forte, Uma Faca nos Dentes, Parceria A. M. Pereira ed..
2004-02-19
 
Arquivos do Passado: conservar e fruir os achados arqueológicos

Foi recentemente divulgado no Reino Unido este interessante estudo, que analisa os encargos com o depósito, conservação e gestão do acesso a materiais arqueológicos à guarda de alguns museus.

Como há tempos escreveu o Marcos Osório, muitas das grandes descobertas arqueológicas são feitas ... nos depósitos dos museus. É sabido que a revisão de colecções antigas, à luz de novas perspectivas teóricas e metodológicas, revela com frequência grandes surpresas. Tanto mais que existem em depósito toneladas de materiais inéditos ou que nunca foram convenientemente estudados pelos seus achadores, fenómeno que está a ter um crescimento exponencial com a chamada arqueologia de salvamento, em que a minimização dos impactes se restringe, muitas vezes, à “conservação pelo registo”, postergando para as calendas o estudo científico dos resultados das intervenções.

Seria interessante conhecer em detalhe a realidade do depósito das colecções arqueológicas existentes em Portugal. Designadamente nos seguintes aspectos: Qual o ponto de situação do cumprimento dos prazos para a publicação e depósito dos espólios de trabalhos arqueológicos anteriores à vigência do actual Regulamento de Trabalhos Arqueológicos (D.-L. nº. 270/99, de 15 de Julho, alt. pelo D.-L. nº. 287/2000, de 10 de Novembro)? E dos prazos de depósito de espólios e documentação de campo dos trabalhos efectuados na vigência do actual Regulamento? Que materiais se encontram em depósito provisório e em depósito definitivo? À guarda de que entidades? Qual a dimensão das situações em que os arqueólogos continuam fiéis depositários dos espólios sujeitos a depósito? Em que medida estão a ser cumpridos os procedimentos e prazos para a conversão dos depósitos em definitivos? Em que locais e condições de armazenagem se encontram os materiais em depósito, provisório ou definitivo? Quais os regimes de inventariação, conservação, estudo e gestão de acesso aplicáveis? Quais os custos envolvidos?

Este levantamento, a existir, carece de maior divulgação (desde já agradeço a quem me possa dar pistas para a consulta deste tipo de informação). A não existir, não se vê como, na ausência destes e de outros indicadores, pode ser delineada uma política consequente de conservação e fruição do nosso património arqueológico.


Rule of Law?

Guantanamo: às detenções arbitrárias, seguem-se agora libertações arbitrárias e discriminatórias, baseadas em negociações entre os EUA e alguns dos seus aliados (ler aqui). Há algo de medieval (para não ir mais longe...) neste tráfico de detidos entre estados soberanos, ditos de Direito. Os pais fundadores da democracia americana estão certamente às voltas no túmulo.
2004-02-13
 
Esta está a ser uma semana impossível em termos de trabalho. Como a indisponibilidade do Causidicus se vai prolongar para o fim de semana, aqui fica, em avanço, o poema do próximo domingo:


Vers à danser

Que ce soit dimanche ou lundi
Soir ou matin minuit midi
Dans l'enfer ou le paradis
Les amours aux amours ressemblent
C'était hier que je t'ai dit
Nous dormirons ensemble

C'était hier et c'est demain
Je n'ai plus que toi de chemin
J'ai mis mon coeur entre tes mains
Avec le tien comme il va l'amble
Tout ce qu'il a de temps humain
Nous dormirons ensemble

Mon amour ce qui fut sera
Le ciel est sur nous comme un drap
J'ai refermé sur toi mes bras
Et tant je t'aime que j'en tremble
Aussi longtemps que tu voudras
Nous dormirons ensemble


Louis Aragon
2004-02-08
 
POEMA DE DOMINGO:


Não, não é cansaço...
É uma quantidade de desilusão
Que se me entranha na espécie de pensar,
E um domingo às avessas
Do sentimento,
Um feriado passado no abismo...

Não, cansaço não é...
É eu estar existindo
E também o mundo,
Com tudo aquilo que contém,
Como tudo aquilo que nele se desdobra
E afinal é a mesma coisa variada em cópias iguais.

Não. Cansaço por quê?
É uma sensação abstracta
Da vida concreta —
Qualquer coisa como um grito
Por dar,
Qualquer coisa como uma angústia
Por sofrer,
Ou por sofrer completamente,
Ou por sofrer como...
Sim, ou por sofrer como...
Isso mesmo, como...

Como quê?...
Se soubesse, não haveria em mim este falso cansaço.

(Ai, cegos que cantam na rua,
Que formidável realejo
Que é a guitarra de um, e a viola do outro, e a voz dela!)

Porque oiço, vejo.
Confesso: é cansaço!...


Álvaro de Campos

(in Fernando Pessoa, Obra Poética, II vol., Lisboa, Círculo de Leitores, 1986, pp. 278-280).


Agradeço mais um link

aos autores do Carvalhadas-On-Line.
2004-02-05
 
Mais notícias de Guantanamo:

Supreme Court temporarily preserves isolation of Guantanamo terrorism detainees
(ler aqui).

Agora a brincar...

(ler aqui)


Plano Nacional de Trabalhos Arqueológicos (PNTA)

O IPA acaba de anunciar o resultado do concurso para ...2003. E diz que em 2004 não há concurso ... porque não há verba. Assim vai a investigação científica e a preservação do património arqueológico em Portugal.
2004-02-03
 
Law firms, it turns out, are finding that they need their own lawyers to advise them on how to practice law.

Ler aqui.


Defensor militar questiona processos de Guantanamo

“(...)
Navy Lt. Cmdr. Charles Swift said he hopes the tribunal rules are reformed to ensure fairness in the case of his client, Salim Ahmed Hamdan of Yemen. He said the legal structure's main problem is that it concentrates authority under the U.S. president.

"If you put all the powers to prosecute, try and execute a sentence in one person's hands, that is the absolute antithesis of the checks and balances in the system of government we have," Swift told The Associated Press during his first visit to the U.S. base in eastern Cuba.”


Ler aqui.
2004-02-01
 
POEMA DE DOMINGO:

LE VIN

L'Âme du Vin


Un soir, l'âme du vin chantait dans les bouteilles:
"Homme, vers toi je pousse, ô cher déshérité,
Sous ma prison de verre et mes cires vermeilles,
Un chant plein de lumière et de fraternité!

Je sais combien il faut, sur la colline en flamme,
De peine, de sueur et de soleil cuisant
Pour engendrer ma vie et pour me donner l'âme;
Mais je ne serai point ingrat ni malfaisant,

Car j'éprouve une joie immense quand je tombe
Dans le gosier d'un homme usé par ses travaux,
Et sa chaude poitrine est une douce tombe
Où je me plais bien mieux que dans mes froids caveaux.

Entends-tu retentir les refrains des dimanches
Et l'espoir qui gazouille en mon sein palpitant?
Les coudes sur la table et retroussant tes manches,
Tu me glorifieras et tu seras content;

J'allumerai les yeux de ta femme ravie;
A ton fils je rendrai sa force et ses couleurs
Et serai pour ce frêle athlète de la vie
L'huile qui raffermit les muscles des lutteurs.

En toi je tomberai, végétale ambroisie,
Grain précieux jeté par l'éternel Semeur,
Pour que de notre amour naisse la poésie
Qui jaillira vers Dieu comme une rare fleur!"


Charles Baudelaire, Les Fleurs du Mal.


Liberdade de expressão
(ensaio de autocrítica bloguística)


“Fala-se, fala-se, fala-se, em todos os sotaques, em todos os tons e decibéis, em todos os azimutes. O país fala, fala, desunha-se a falar, e pouco do que diz tem o menor interesse. O país não tem nada a dizer, a ensinar a comunicar. O país quer é aturdir-se. E a tagarelice é o meio de aturdimento mais à mão.”.

Mário de Carvalho, Fantasia para Dois Coronéis e uma Piscina. Lisboa, Caminho, 2003, p. 11.


Muito obrigado!

pelas simpáticas referências ao Blog do Alex e ao Solar da Rainha.

Agradeço ainda os links dos blogs A Clínica, Escrevinhador Diário e Substrato.

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