Causidicus
2006-11-11
 

Estou além
2004-04-16
 
S T O P

Este blog fica, a partir de hoje, "adormecido".

Dizem que o seu autor poderá ser encontrado a arengar numa grande superfície.

Até sempre!

2004-04-14
 
A REFORMA DO PROCESSO PENAL
(notas à margem de um Acórdão recente)


A análise de várias propostas de reforma do Código de Processo Penal (CPP) tem estado na ordem do dia. Não sendo “especialista” na matéria, não irei aqui maçar os eventuais leitores deste blog com as m/ opiniões sobre o assunto, decerto pouco abalizadas. O alcance deste post é mais modesto. Visa, simplesmente, sugerir aos especialistas encartados da n/ blogosfera que integrem nesse debate os contributos inovatórios que me parecem resultar de um recente Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa relatado pelo Ven. Desembargador Dr. Telo Lucas.

Cumpre-me esclarecer, preliminarmente, que o Causidicus continua a entender não poder pronunciar-se sobre decisões judiciais concretas cujos autos não conhece. Qualquer comentário a uma decisão de que não se conhece o teor integral e cujos fundamentos o comentador não pôde avaliar no respectivo processo seria sempre, no mínimo, leviana. Não se entenda pois este post como um qualquer comentário, directo ou indirecto, à decisão proferida naquele caso concreto.

Em todo o caso, os alegados extractos do Acórdão divulgados na comunicação social (lidos no “CM” de 2004-04-03), mesmo que – porventura – inexactos ou retirados de contexto, suscitam, em si mesmos, pelo carácter inovador e criativo de que se revestem, um conjunto de reflexões que conviria analisar e aprofundar em sede de reforma do CPP. Quer para consagrar tais soluções – se forem entendidas como adequadas – quer para, na medida do possível, as afastar – se forem tidas como inconvenientes.

Até agora, havendo (como parece ter sido reconhecido neste Acórdão), fortes indícios de prática de crime doloso punível com determinada pena de prisão e perigo concreto de continuação da actividade criminosa, considerava a generalidade da n/ jurisprudência dever ser aplicada a medida de prisão preventiva se as demais medidas de coacção se revelassem, face ao circunstancialismo do caso, inadequadas ou insuficientes para prevenir a prática de novos crimes. A aplicação da medida de coacção pelo Tribunal devia garantir que o risco de continuação da actividade criminosa não poderia ser concretizado pelo arguido, aplicando-se a prisão preventiva aos casos em que tal garantia não poderia ser dada por outra medida de coacção, o que, evidentemente, em nada brigava com o carácter excepcional da aplicação da medida de prisão preventiva.

Inovando em relação a este paradigma, a doutrina que parece resultar dos alegados extractos do Acórdão em causa, dispensa uma efectiva garantia de não continuação da actividade criminosa assegurada por medidas de coacção aplicadas pelo Tribunal, confiando que, face a determinadas circunstâncias, o arguido se absterá da prática de novos crimes. A substituição de um princípio cautelar garantista (ou, se se preferir, de adequação às exigências cautelares requeridas pelo caso) por este novo e menos exigente princípio de confiança, que se satisfaz com uma provável abstenção do arguido, pode constituir uma das mais revolucionárias propostas de reforma do n/ ordenamento processual penal, suscitando também uma série de novas questões cujas implicações conviria fossem analisadas pelos teóricos e práticos desta área.

O aludido princípio de confiança, aplicado à escolha da medida de coacção face ao risco de continuação da actividade criminosa, parece decorrer, na doutrina em apreço, de dois sub-princípios. A confirmar-se a fidedignidade da doutrina divulgada pela comunicação social, seria a meu ver justo reconhecer o contributo inovatório do seu alegado autor, baptizando-os, por hipótese, de princípio do limiar de Telo e princípio do outsourcing coactivo de Lucas (caso os relatos da comunicação social não sejam, afinal, fidedignos, esta proposta de denominação fica, naturalmente, sem efeito).

O princípio do limiar de Telo parece assentar na convicção do efeito pedagógico da sujeição a prisão preventiva, defendendo que um cidadão que preze a sua liberdade pessoal, após ter sido sujeito a vários meses de prisão preventiva, tenderá a abster-se de praticar novos crimes, pelo receio da reaplicação daquela medida. A ser aceite este princípio, poderia o legislador definir um limiar, de “x” meses, após o qual a medida de prisão preventiva destinada a impedir a continuação da actividade criminosa seria obrigatoriamente substituída por outra medida de coacção, pelo menos nos casos de arguidos sem antecedentes criminais e que não revelassem indiferença pela sua liberdade. O carácter revolucionário de uma tal medida de política criminal dispensa comentários.

O princípio do outsourcing coactivo de Lucas é mais complexo. A confiança de que o arguido se absterá da continuação da actividade criminosa parece fundar-se, neste caso, na existência de mecanismos de controlo e escrutínio social e pelos media, decorrentes da especial exposição pública do arguido e do interesse social e mediático que o mesmo desperta. Também aqui o Tribunal deixa de garantir a impossibilidade da prática de novos crimes, confiando num outsourcing coactivo assente no escrutínio social e mediático.

A aplicação de um tal princípio levanta, porém, problemas extremamente complexos, alguns dos quais referirei telegraficamente. Como se concilia a protecção dos direitos do arguido libertado (direito à imagem, à liberdade de movimentos, a não ser importunado,...) com o funcionamento intrínseco dos mecanismos de outsourcing coactivo que fundamentaram a sua libertação? O reconhecimento da existência e do papel destes mecanismos de controlo extra-judiciais pode, em algumas circunstâncias, determinar a existência de causas de justificação para intromissões na reserva de intimidade e vida privada do arguido, designadamente quando os crimes que lhe são imputados decorrem, pela natureza das coisas, em locais reservados e fora do normal escrutínio público? Como e com que periodicidade se afere da subsistência destes mecanismos de controlo, face ao decurso do tempo e à volubilidade do interesse público e mediático?

Mas as potencialidades deste interessante princípio não se restrigem ao campo do Direito. A sua importância económica também deve ser relevada. Como em qualquer situação de outsourcing, uma eventual generalização da aplicação deste princípio deverá determinar a contratualização de alguns dos aspectos a ele inerentes. Não será de excluir que, no futuro, os Tribunais possam contratualizar a efectiva prestação e continuidade destes mecanismos de controlo, independentemente da evolução das agendas mediáticas e/ou sociais, por exemplo com uma pool de jornalistas ou com grupos de cidadãos, abrindo novas oportunidades de negócio, de redução do desemprego e criação de riqueza. A instituição desta possibilidade, por via legislativa, poderia até assegurar obrigações do Estado decorrentes do princípio da igualdade. Em determinadas circunstâncias a definir pelo legislador, mesmo presos preventivos menos conhecidos e/ou mediáticos poderiam requerer a substituição da prisão preventiva por mecanismos de ousourcing coactivo desta natureza, suportados pelo Estado. E as potencialidades desta doutrina ao nível da retoma da nossa economia nem sequer ficam por aqui... A contratualização do outsourcing coactivo exigiria decerto a criação de entidades de certificação, de fiscalização e até de formação profissional específica (por ex., o que deve um jornalista outsourcer coactivo fazer caso suspeite estar a presenciar uma entrega de uma qualquer “TelePutos” a arguido indiciado por pedofilia?).

Tenho ainda uma angustiosa dúvida final. Caso um preso preventivo libertado à luz deste princípio da confiança venha, não obstante, a praticar novos crimes, quem deve ser responsabilizado, designadamente em sede de eventual responsabilidade civil: apenas o arguido, ou também o Estado (pelo risco criado)?

As problemáticas - mas também as potencialidades - destes princípios que questionam o paradigma vigente são imensas. Aqui fica o repto para que sejam aprofundadas, também em abstracto, por alguém mais capaz. A criatividade dos juristas - é sabido - não conhece limites.
2004-04-11
 
Poema de Domingo:


Les fiançailles (extracto)

........................................................................

J'observe le repos du dimanche
Et je loue la paresse
Comment comment réduire
L'infiniment petite science
Que m'imposent mes sens
L'un est pareil aux montagnes au ciel
Aux villes à mon amour
Il ressemble aux saisons
Il vit décapité sa tête est le soleil
Et la lune son cou tranché
Je voudrais éprouver une ardeur infinie
Monstre de mon ouïe tu rugis et tu pleures
Le tonnerre te sert de chevelure
Et tes griffes répètent le chant des oiseaux
Le toucher monstrueux m'a pénétré m'empoisonne
Mes yeux nagent loin de moi
Et les astres intacts sont mes maîtres sans épreuve
La bête des fumées a la tête fleurie
Et le monstre le plus beau
Ayant la saveur du laurier se désole

.........................................................................


Guillaume Apollinaire, Alcools.
2004-04-04
 
FÉRIAS CAUSIDICAIS:

Vou para férias, para bem longe da grande Lisboa, pelo menos até ao próximo Domingo. Não devo ter possibilidade de blogar nesse período. Declino igualmente toda e qualquer responsabilidade pelo controlo social de ex-presos preventivos que tenham sido libertados nesse pressuposto. Para que conste.


Poema de Domingo:

DOMINGO

Quando chega domingo,
faço tenção de todas as coisas mais belas
que um homem pode fazer na vida.

Há quem vá para o pé das águas
deitar-se na areia e não pensar...
E há os que vão para o campo
cheios de grandes sentimentos bucólicos
porque leram, de véspera, no boletim do jornal:
« Bom tempo para amanhã»...
Mas uma maioria sai para as ruas pedindo,
pois nesse dia
aqueles que passeiam com a mulher e os filhos
são mais generosos.
Um rapaz que era pintor
não disse nada a ninguém
e escolheu o domingo para se matar.
Ainda hoje a família e os amigos
andam pensando porque seria.
Só não relacionam que se matou num domingo!
Mariazinha Santos
(aquela que um dia se quis entregar,
que era o que a família desejava,
para que o seu futuro ficasse resolvido),
Mariazinha Santos
quando chega domingo,
vai com uma amiga para o cinema.
Deixa que lhe apalpem as coxas
e abafa os suspiros mordendo um lencinho que sua mãe lhe bordou,
quando ela era ainda muito menina...
Para eu contar isto
e que conheço todas as horas que fazem um dia de domingo!
À hora negra das noites frias e longas
sei duma hora numa escada
onde uma velha põe sua neta
e vem sorrir aos homens que passam!
E a costureirinha mais honesta que eu namorei
vendeu a virgindade num domingo
— porque é o dia em que estio fechadas as casas de penhores!


Há mais amargura nisto
que em toda a História das Guerras.


Partindo deste principio.
que os economistas desconhecem ou fingem desconhecer,
eu podia destruir esta civilização capitalista, que inventou o domingo.
E esta era uma das coisas mais belas
que um homem podia fazer na vida!


Então.
todas as raparigas amariam no tempo próprio
e tudo seria natural
sem mendigos nas ruas nem casas de penhores...


Penso isto, e vou a grandes passadas...
E um domingo parei numa praça
e pus-me a gritar o que sentia.
mas todos acharam estranhos os meus modos
e estranha a minha voz...
Mariazinha Santos foi para o cinema
e outras menearam as ancas
— ao sol
como num ritual consagrado a um deus! —
até chegar o homem bem-amado entre todos
com uma nota de cem na mão estendida...


Venha a miséria maior que todas
secar o último restolho de moral que em mim resta;
e eu fique rude como o deserto
e agreste como o recorte das altas serras;
venha a ânsia do peito para os braços!


E vou a grandes passadas
como um louco maior que a sua loucura...
O rapaz que era pintor
aconchegou-se sobre a linha férrea
para que a morte o desfigurasse
e o seu corpo anónimo fosse uma bandeira trágica
de revolta contra o mundo.
Mas como o rosto lhe estava intacto
vai a família ao necrotério e ficou aterrada!
Conheci-o numa noite de bebedeira
e acho tudo aquilo natural.
A costureirinha que eu namorei
deixava-se ir para as ruas escuras
sem nenhum receio.
Uma vez que chovia até entrámos numa escada.
Somente sequer um beijo trocámos...
E isto porque no momento próprio
olhava para mim com um propósito tão sereno
que eu, que dela só desejava o corpo bom feito
me punha a observar o outro aspecto do seu rosto,
que era aquela serenidade
de pessoa que tem a vida cheia e inteira.
No entanto, ela nunca pôs obstáculo
que nesse instante as minhas mãos segurassem as suas.
Hoje encontramo-nos ai pelos cafés...
(ela está sempre com sujeitos decentes)
e quando nos fitamos nos olhos.
bem lá no fundo dos olhos,
eu que sou homem nascido
para fazer as coisas mais heróicas da vida
viro a cabeça para o lado e digo:
— rapaz, traz-me um café...
O meu amigo, que era pintor,
contou-me numa noite de bebedeira:
— Olha,
quando chega domingo,
não há nada melhor que ir para o futebol...
E como os olhos se me enevoassem de água,
continuou com uma voz
que deve ser igual à que se ouve nos sonhos:
— .... no entanto, conheço um homem
que ia para, a beira do rio
e passava um dia inteirinho de domingo
segurando uma cana donde caia um fio para a água...
... um dia pescou um peixe,
e nunca mais lá voltou...
O pior é pensar:
que hei-de fazer hoje, que toda a gente anda alegre
como se fosse uma festa?... —
O rapaz que era pintor sabia uma ciência rara,
tão rara e certa e maravilhosa
que deslumbrado se matou.


Pago o café e saio a grandes passadas.
Hoje e depois e todos os dias que vierem,
amo a vida mais e mais
que aqueles que sabem que vão morrer amanhã!

Mariazinha Santos,
que vá para o cinema morder o lencinho que sua mãe lhe bordou...
E os senhores serenos, acompanhados da mulher e dos filhos,
que parem ao sol
e joguem um tostão na mão dos pedintes.......
E a menina das horas longas e frias
continue pela mão de sua avó...
E tu, que só andas com cavalheiros decentes,
ó costureirinha honesta que eu namorei um dia,
fita-me bem no fundo dos olhos,
fita-me bem no fundo dos olhos!



Então,
virá a miséria maior que todas
secar o último restolho de moral que em mim resta;
e eu ficarei rude como o deserto
e agreste como o recorte das altas serras:
e virá a ânsia do peito para os braços!

Domingo que vem,
eu vou fazer as coisas mais belas
que um homem pode fazer na vida!



Manuel da Fonseca


Agradeço aos simpáticos linkadores:

O Coice que Abril Deu e Ser Portugues (Ter que).
2004-04-02
 
NÃO ERA MAL PENSADO...

Pedro Caeiro brinda-nos hoje com os primeiros resultados bombásticos do seu novo “detector de petas”. Ficamos a saber que: “não é verdade que o José da Grande Loja do Queijo Limiano seja o Dr. José Adriano Souto de Moura”. Esta revelação não será de todo surpreendente, mas dá que pensar. A julgar pelo que o dito José tem escrito em blogs, o Causidicus não desgostaria de o ver ocupar o cadeirão do Palácio Palmela...
2004-04-01
 
VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS EM OUTSOURCING?

“(...)
The U.N. body that provides authoritative interpretations of a key international human rights treaty issued an opinion yesterday that would indicate the United States cannot use offshore facilities like Guantanamo to evade responsibility for human rights violations, Human Rights Watch said today.
(…)
"The Human Rights Committee has sent a strong message that states cannot avoid their international human rights obligations by outsourcing their detention centers," said Kenneth Roth, executive director of Human Rights Watch. "The Bush administration's trick of detaining people at Guantanamo won't work under international law."
(…)”
.

(Ler aqui).


ESCRITA EM DIA

Os “homens do Norte” estão imparáveis...

Finalmente, Magistrados e Jornalistas debatem – em discurso quase directo e sem “papas na língua” – o caso Casa Pia e a Justiça em geral. Só podia ser na blogosfera. O blog da Cordoaria está ao rubro com a troca de galhardetes entre vários Cordoeiros e a Jornalista Tânia Laranjo do “JN”. A não perder (enquanto o sistema de comentários aguentar)...

A equipa d’ Os Cordoeiros não pára de crescer e de alargar a sua abrangência territorial. Avizinham-se tempos de hegemonia do MP na blawgosfera? Já quase acredito no post de hoje sobre o convite da Ministra...

As pedras de Roseta e o Ministério Público (2)

A Dra. Liliana Palhinha teve a amabilidade de retomar esta temática n’ Os Cordoeiros, onde publicou interessantes esclarecimentos cuja leitura me permito sugerir (posts de 29 e 31 de Março).

Brel
“(…)Les vieux ne rêvent plus, leurs livres s'ensommeillent, leurs pianos sont fermés
Le petit chat est mort, le muscat du dimanche ne les fait plus chanter(…)”


Partilho com a estimada 1poucomais a paixão pelas canções de Brel. As que aqui publiquei não serão sequer as minhas preferidas. Foram seleccionadas para o “ciclo” dos Poemas de (e sobre o) Domingo. Num belo post de 24 de Março, a “Azulinha” (como diz o atrevido do Alex) fala de Brel e da velhice e publica uma das canções que mais me impressionou e que aqui pensava trazer num dos próximos domingos. Naturalmente, não a repetirei neste blog, mas atrevo-me a sugerir que recordem, “Les vieux”.

Muito obrigado!

Agradeço os links dos blogs A Amiga de História, Sesimbra e Um pouco mais de azul.
2004-03-30
 
A entrevista do Juíz (2)

O Causidicus tem o grato prazer de atribuir ao Juíz Dr. Rui Teixeira os prémios “A escola do CEJ no seu melhor” e “Verá V. Exa. as surpresas que a vida lhe reserva”, como modesto reconhecimento dos méritos da seguinte resposta:

Refere-se aos advogados, como os vê?
Sei precisamente, em cada processo e em cada momento, o que um advogado quer.”
.


A entrevista do Juíz (1)

Depois das campanhas mediáticas de que foi alvo, não serei eu a negar ao Juíz Dr. Rui Teixeira legitimidade para dar a entrevista que deu, na altura em que o fez.

Em todo o caso, neste processo em que “ninguém se soube comportar” e em que os exemplos a seguir não abundam, teria preferido que o Dr. Rui Teixeira mantivesse, até ao final do processo, a exemplar atitude que vinha assumindo e que as suas próprias palavras tão bem descrevem:

“Se os meus despachos não são suficientemente esclarecedores sobre aquilo que se passa são maus. Como tento ser o mais esclarecedor possível, não tenho mais nada a acrescentar. As atitudes que outras pessoas tomaram ficarão com elas. Não me cabe a mim sancionar algumas profissões que estão envolvidas neste processo e que têm órgãos competentes para os representar. Quanto a vir a terreiro falar sobre alguns assuntos, só iria acicatar os ânimos e contribuir para a desinformação geral.”.
2004-03-28
 
40º. Poema de Domingo:


En la doliente soledad del domingo


Aquí estoy,
desnuda,
sobre las sábanas solitarias
de esta cama donde te deseo.

Veo mi cuerpo,
liso y rosado en el espejo,
mi cuerpo
que fue ávido territorio de tus besos,
este cuerpo lleno de recuerdos
de tu desbordada pasión
sobre el que peleaste sudorosas batallas
en largas noches de quejidos y risas
y ruidos de mis cuevas interiores.

Veo mis pechos
que acomodabas sonriendo
en la palma de tu mano,
que apretabas como pájaros pequeños
en tus jaulas de cinco barrotes,
mientras una flor se me encendía
y paraba su dura corola
contra tu carne dulce.

Veo mis piernas,
largas y lentas conocedoras de tus caricias,
que giraban rápidas y nerviosas sobre sus goznes
para abrirte el sendero de la perdición
hacia mi mismo centro
y la suave vegetación del monte
donde urdiste sordos combates
coronados de gozo,
anunciados por descargas de fusilerías
y truenos primitivos.

Me veo y no me estoy viendo,
es un espejo de vos el que se extiende doliente
sobre esta soledad de domingo,
un espejo rosado,
un molde hueco buscando su otro hemisferio.

Llueve copiosamente
sobre mi cara
y sólo pienso en tu lejano amor
mientras cobijo
con todas mis fuerzas,
la esperanza.


Gioconda Belli.
2004-03-21
 
Poema de Domingo:


Les bonbons

Je vous ai apporté des bonbons
Parce que les fleurs ça est périssable
Puis les bonbons c'est tellement bon
Bien que les fleurs soient plus présentables
Surtout quand elles sont en boutons
Mais je vous ai apporté des bonbons

J'espère qu'on pourra se promener
Que Madame votre mère ne dira rien
On ira voir passer les trains
A huit heures moi je vous ramènerai
Quel beau dimanche allez pour la saison
Je vous ai apporté des bonbons

Si vous saviez ce que je suis fier
De vous voir pendue à mon bras
Les gens me regardent de travers
Y en a même qui rient derrière moi
Le monde est plein de polissons
Je vous ai apporté des bonbons

Oh! oui! Germaine est moins bien que vous
Oh oui! Germaine elle est moins belle
C'est vrai que Germaine a des cheveux roux
C'est vrai que Germaine elle est cruelle
Ça vous avez mille fois raison
Je vous ai apporté des bonbons

Et nous voilà sur la grand'place
Sur le kiosque on joue Mozart
Mais dites-moi que ça est par hasard
Qu'il y a là votre ami Léon
Si vous voulez que je cède la place
J'avais apporté de bonbons...

Mais bonjour Mademoiselle Germaine
Je vous ai apporté des bonbons
Parce que les fleurs ça est périssable
Puis les bonbons c'est tellement bon
Bien que les fleurs soient plus présentables
Surtout quand elles sont en boutons
Mais je vous ai apporté des bonbons.


Jacques Brel, 1964.


BLOGS HÁ MUITOS…

O excelente Cruzes Canhoto! agora está aqui.

Mais dois blogs dedicados a Clio: O Fio de Ariana e O Livro das Horas.

Agradeço os simpáticos links dos blogs: A Formiga de Langton (cujo regresso saúdo entusiasticamente), Galo Verde, Senhor Vertigem e Velho Blog de Publicidade.
2004-03-11
 
Como o escriba residente se vai ausentar por alguns dias, aqui fica, em avanço, o poema do próximo Domingo:


MALICE

On dit
que la robe des robes partout se pose et se repose,
que la toilette est aux yeux du dimanche,
que le repos suit la pente des bras.
Toilette fine pour visites,
propreté chez les autres,
robe de tenue droite avec un paquet.
Robe mise, porte ouverte;
robe ôtée, porte fermée.

Paul Éluard Les nécessités de la vie et les conséquences des rêves.


As pedras de Roseta e o Ministério Público

Recentemente muitos se indignaram, justamente, com a tibieza com que a GNR reagiu à arruaça protagonizada por um autarca, durante um desafio de futebol. Afirmou-se que apenas a subserviência das autoridades perante o cacique local poderia justificar tal comportamento.

Convém lembrar, porém, que a subserviência face a estes sobas não é exclusivo de autoridades locais, manifestando-se a altos níveis de responsabilidade da administração central, que preferem, muitas vezes, ignorar os deveres que a Lei lhe impõe, quando eles colidem com os interesses ou o peso político de um qualquer Sr. Joãozinho das Perdizes, Presidente de Câmara Municipal.

O domínio do património cultural é daqueles em que este problema se tem posto com maior acuidade. A harmonização dos valores do progresso com os da protecção do património nem sempre é fácil, é quase sempre onerosa e implica demoras e limitações diversas. Os próprios poderes públicos procuram muitas vezes, nos seus empreendimentos, contornar as obrigações legais nesta matéria. Delapidações e atentados ao património cultural, mesmo se classificado, praticadas pela administração central ou local, são por demais conhecidas. Muitos valores patrimoniais não passam, para estes empreendedores públicos, de meras “pedras”, que a insensatez do legislador atravessou no seu caminho.

E o que fazem os Institutos na dependência do Ministro Pedro Roseta, aos quais o Estado deferiu a tutela do património cultural? Aos simples particulares e às instituições (públicas ou privadas) bem comportadas, com cultura e tradição de respeito pela legislação do património cultural, aplicam todo o rigor da lei, devidamente temperado pelo peso da burocracia, quando não enfeitado por extravagâncias e caprichos da sua exclusiva lavra. Porém, quando se trata de autarcas com peso político e que não têm pejo em ignorar as imposições legais que não lhes convêm ou as competências dos ditos Institutos, a conversa é outra.

Não raro, a comunicação social relata casos de obras promovidas ou licenciadas por Câmaras Municipais, sem que tenham sido obtidos os pareceres da administração do património cultural legalmente exigidos, ou que estarão a violar pareceres vinculativos emitidos. Sucedem-se igualmente os relatos de obras realizadas sem observância das exigências legais relativas à minimização de impactes, designadamente no que se refere ao acompanhamento e registo arqueológico. Não vale a pena – nem é objecto deste post – referir aqui qualquer caso particular. A realidade acima descrita é pública e notória.

Quando estas ilegalidades - que põem em causa um património não renovável que é de todos, muitas delas indiciando condutas tipificadas como crime (no Código Penal ou na LPC) – são praticadas pelos tais autarcas politicamente influentes, verifica-se por vezes uma pasmosa não-reacção por parte dos Institutos do Ministério da Cultura. Providências administrativas da sua competência ou o recurso aos mecanismos judiciais que a Lei prevê parecem ficar no esquecimento, como se não existissem, limitando-se os responsáveis a alertar, timidamente, para as ilegalidades praticadas ou em curso...

Enredados em processos de reorganização permanentemente adiados (e de bondade muito discutível), limitados nos recursos, carentes da aprovação da legislação de desenvolvimento da LPC, cada vez menos os Institutos do MC parecem estar à altura de cumprir as suas responsabilidades face aos atentados às “pedras” que confiámos a Roseta.

Quando esta tibieza se manifesta e as ilegalidades praticadas são amplamente divulgadas na comunicação social, resta-nos confiar na intervenção de Magistrados, que não se coibam de enfrentar os caciques e outros poderosos, se a defesa da legalidade o exigir.

O Ministério Público tem competências e um papel insubstituível a desempenhar na defesa dos interesses difusos e importa que o comece a exercer com maior ênfase no domínio do património cultural.

Sem prejuízo de vários casos conhecidos em que o MP tomou a iniciativa de promover processos administrativos ou criminais em defesa do património cultural, por vezes com base em notícias na imprensa (cf., por ex., a R.M.P., n. 49, pp.161-163), tenho a sensação – eventualmente desajustada - de que esta matéria não tem merecido a atenção que a multiplicação dos casos noticiados justificaria.

A consulta dos Boletins de Interesses Difusos disponibilizados no site da PGR, permite constatar uma notável actividade no âmbito dos direitos dos consumidores ou do direito do ambiente, sendo quase inexistentes as menções à defesa do património cultural.

Talvez os caros Cordoeiros possam esclarecer melhor esta questão, com o especial conhecimento de causa de que dispõem.

Deste Causidicus, ficam os votos de que o MP actue diligentemente contra as ilegalidades cometidas contra as nossas “pedras”, já que outros, a quem tal caberia, por vezes o não fazem.

Registo aliás, que, para além dos procedimentos visando directamente a protecção do património cultural, não deixaria também de aproveitar à prevenção de certas omissões funcionais que as mesmas passassem a ser especificamente investigadas, procedendo-se em conformidade com os factos apurados.


Atentados e hipocrisias multiculturalistas

Ler no Holocénico.


2004-03-11
BASTA!

2004-03-09
 
Aviso aos marinheiros de primeira viagem:

Causidicus é um blog dedicado à Sociedade Aberta, Justiça, Media, Cultura, Património, Ambiente e o mais que lembre.
Foi criado em 2003-06-09 e a sua existência obedece a uma máxima aquiliniana:
“o português resigna-se a tudo menos a não ter opinião ou a não deitar a sua sentença”
(Aquilino Ribeiro, Aldeia – Terra, Gente e Bichos, Bertrand Ed., 1995, p. 90).
Continua a ser um blog unipessoal, sem quaisquer pretensões de frequência ou de programação. Será actualizado quando puder ser, com a temática que na altura calhar.
Este blog é anónimo, mas não se acoberta no anonimato. O autor usa nickname, porque entende que as ideias têm uma valia intrínseca e independente da pessoa que as veicula e porque não quer qualquer tipo de publicidade pessoal ou profissional, ainda que indirecta. Confia porém que usará de prudente critério para não ofender ilegitimamente a honra ou a consideração de quem quer que seja. Se assim não fôr, assegura aos visados o direito de resposta neste blog e disponibilizará a sua cabal identificação aos que a solicitem. Para esse efeito ou outros – comentários, sugestões, ameaças de bengaladas, .... - está disponível o endereço: causidicus@mail.pt.

P.S. – Constando que as iniciais que assinavam os posts poderiam suscitar a atribuição da autoria deste blog a causídicos de todo isentos de tal malfeitoria, foi alterada a assinatura, que passará a ser, simplesmente, Causidicus.
2004-03-08
 
Stella Awards: os tribunais dos EUA no seu melhor...

Os que se queixam da monotonia - ou dos excessos da litigância - nos tribunais portugueses, podem sempre considerar a hipótese de mudar de ambiente, passando a acompanhar a vida judiciária norte-americana. Os EUA brindam-nos todos os anos com novos casos judiciais em que os pedidos e respectivas causas de pedir seriam a priori ridículos ou inacreditáveis (em especial no domínio da responsabilidade civil), mas que... tiveram sucesso. Para “homenagear” os processos judiciais mais improváveis, foram criados os Stella Awards, cuja denominação recorda o caso de Stella Liebeck, uma (então) septuagenária que recebeu uma indemnização de 2,9 milhões de dólares por se ter queimado ao entornar um copo de café num restaurante de uma conhecida cadeia de fast-food.
Não perca os Stella Awards de 2003 (ler aqui)!

(Post inspirado por este artigo – que contém algumas incorrecções: o caso do pretenso vencedor de 2003 é considerado falso no site Stella Awards).


Garantias da Advocacia e "ódios de estimação" (3)

O Carvalhadas-on-line publicou ontem um interessante e bem informado post sobre o objecto deste debate.

2004-03-07
 
Poema de Domingo:


Les Flamandes


Les Flamandes dansent sans rien dire
Sans rien dire aux dimanches sonnants
Les Flamandes dansent sans rien dire
Les Flamandes ça n'est pas causant
Si elles dansent c'est parce qu'elles ont vingt ans
Et qu'à vingt ans il faut se fiancer
Se fiancer pour pouvoir se marier
Et se marier pour avoir des enfants
C'est ce que leur ont dit leurs parents
Le bedeau et même son Eminence
L'archiprêtre qui prêche au couvent
Et c'est pour ça et c'est pour ça qu'elles dansent

Les Flamandes
Les Flamandes
Les Fla
Les Fla
Les Flamandes


Les Flamandes dansent sans frémir
Sans frémir aux dimanches sonnants
Les Flamandes dansent sans frémir
Les Flamandes ça n'est pas frémissant
Si elles dansent c'est parce qu'elles ont trente ans
Et qu'à trente ans il est bon de montrer
Que tout va bien que poussent les enfants
Et le houblon et le blé dans le pré
Elles font la fierté de leurs parents
Et du bedeau et de Son Eminence
L'archiprêtre qui prêche au couvent
Et c'est pour ça et c'est pour ça qu'elles dansent

Les Flamandes
Les Flamandes
Les Fla
Les Fla
Les Flamandes


Les Flamandes dansent sans sourire
Sans sourire aux dimanches sonnants
Les Flamandes dansent sans sourire
Les Flamandes ça n'est pas souriant
Si elles dansent c'est qu'elles ont septante ans
Qu'à septante ans il est bon de montrer
Que tout va bien que poussent les petits-enfants
Et le houblon et le blé dans le pré
Toutes vêtues de noir comme leurs parents
Comme le bedeau et comme son Eminence
L'archiprêtre qui radote au couvent
Elles héritent et c'est pour ça qu'elles dansent

Les Flamandes
Les Flamandes
Les Fla
Les Fla
Les Flamandes


Les Flamandes dansent sans mollir
Sans mollir aux dimanches sonnants
Les Flamandes dansent sans mollir
Les Flamandes ça n'est pas molissant
Si elles dansent c'est parce qu'elles ont cent ans
Et qu'à' cent ans il est bon de montrer
Que tout va bien qu'on a toujours bon pied
Et bon houblon et bon blé dans le pré
Elles s'en vont retrouver leurs parents
Et le bedeau et même Son Eminence
L'archiprêtre qui radote au couvent
Et c'est pour ça qu'une dernière fois elles dansent

Les Flamandes
Les Flamandes
Les Fla
Les Fla
Les Flamandes


Jacques Brel, 1972.


Podem os advogados assumir o pagamento de cauções para libertar clientes?

The ABA's Committee on Ethics and Professional Responsibility stated in its opinion last week that a lawyer's professional judgment could be compromised if he or she fears that a client won't appear in court as scheduled — preventing the lawyer from recouping the bail money paid.

(ler aqui).


Blawgs (3)

A temática abordada no post sobre blawgs continua a merecer simpáticas referências, como esta do ContraFactos & Argumentos. No Quinto dos Impérios (um dos clássicos da nossa blogosfera), FMS apresenta algumas sugestões imperdíveis de títulos para blawgs. Pode ser que alguém se inspire...


Muito obrigado!

Pelos links, aos blogs Ad Libitum, Blasfémias, Blogueio Mental, bem como à galáxia ambiental de Pedro Almeida Vieira: Estrago da Nação, Extractos do Estrago da Nação, Reportagens Ambientais e Ambiente no Mundo.
2004-03-04
 
Um pouco mais de azul

Não posso deixar de recomendar um blog que publica belos poemas e faz juramentos a Clio!


Guantanamo: mais do mesmo.

Anunciam-se mecanismos de “revisão anual” da “necessidade” das detenções, por órgãos inteiramente controlados pela Administração Bush e à revelia de qualquer controlo jurisdicional (ler aqui e aqui).


Garantias da Advocacia e "ódios de estimação" (2)

O debate com alguns Cordoeiros sobre este assunto transitou, animado, para os comentários que aquele blog em boa hora voltou a disponibilizar. É um fórum em que predomina a seriedade intelectual e que pela minha parte (sempre que possível...) já não dispenso.
 
Garantias da Advocacia e "ódios de estimação"

Segundo o “Público” de hoje:
“O bastonário José Miguel Júdice considera "indigno" e "atentatório da liberdade de defesa" que os advogados tenham sido obrigados a ouvir de pé o despacho de pronúncia do megaprocesso de corrupção na Brigada de Trânsito da GNR, anteontem no Tribunal do Monsanto, em Lisboa.
(...)
Reconhecendo as dificuldades logísticas inerentes aos megaprocessos, considera que "já vai sendo altura de os tribunais se prepararem para estes casos" e que "alguém vai ter que tratar disto com a máxima brevidade possível". E conclui: "De certeza que neste julgamento os procuradores do Ministério Público estavam sentados".”
.

O estimável Cordoeiro L. C. leva esta última afirmação à conta de uma manifestação do “odiozinho primário” do Bastonário ao Ministério Público, no título de um post de hoje em que escreve:
“Tem Sua Excelência toda a razão. Só não a tem quando, invariavelmente, dirige a sua saga contra o Ministério Público, como se este fosse o culpado de tudo quanto de mal acontece na administração da justiça. Assevera ele: "De certeza que neste julgamento os procuradores do Ministério Público estavam sentados".
E os juízes? Estavam de cócoras?”
.

Este post está a ser muito aplaudido pelos habituais comentadores afectos ao MP, não obstante ser, a meu ver, de todo escusado e infeliz.

Duas notas prévias se impõem porém.

Uma primeira, para registar o óbvio. O Causidicus não tem procuração do Bastonário para defender a sua tese e já aqui expressou, mais do que uma vez, críticas à actuação da OA em larga medida coincidentes com as de alguns Cordoeiros.

A segunda para realçar o grande mérito substancial d’ Os Cordoeiros: a criação de um fórum de discussão animado essencialmente por Magistrados mas que, com lucidez e equilíbrio, não se tem furtado à crítica às magistraturas, contrariando a tendência dominante nas corporações judiciárias para criticar exclusivamente os demais operadores.

Desta vez, porém, creio que L. C., reconhecendo embora razão ao Bastonário, acabou por revelar uma sensibilidade epidérmica desmesurada à referência deste à sua magistratura, “enfiando uma carapuça” que ninguém lhe terá querido enfiar.

Não vejo que o Bastonário tenha dirigido, nas declarações em apreço, qualquer crítica ao MP. Criticou, sim, a administração da justiça que não cuida da logística inerente aos megaprocessos, ignorando designadamente as condições de trabalho e de dignidade compatíveis com o estatuto de colaboradores na administração da justiça que a lei confere aos Advogados responsáveis pela defesa dos arguidos. A comparação com as condições asseguradas aos Magistrados do Ministério Público não parece poder ser entendida como uma crítica aquela magistratura, constituindo, apenas, tal como a entendo, o registo de (mais) uma situação factual em que o princípio da “igualdade de armas” foi indevidamente postergado, juntamente com o respeito exigível pelo papel do Defensor. Daí que se justificasse uma referência ao MP, não se justificando qualquer referência aos Magistrados judiciais. E todos sabemos a frequência com que os Advogados se vêm confrontados com condições de trabalho impróprias nas nossas salas de audiência, cuja subsistência não seria tolerada caso fossem igualmente impostas aos Magistrados.

Não é, objectivamente, aceitável que o Defensor de um arguido – em qualquer processo e em particular num “megaprocesso” – seja sujeito a acompanhar de pé os trâmites de uma diligência. Os Exms. Magistrados – Judiciais e do Ministério Público – i ntervenientes no processo, a quem cabem especiais deveres de defesa da legalidade, deveriam ser os primeiros a suscitar a suspensão da diligência até estarem criadas as condições mínimas indispensáveis ao regular funcionamento do Tribunal.

Pelos vistos anda esquecido e carece de ser recordado o artº. 58º. do EOA:
“ARTIGO 58º
Das garantias em geral
l. Os magistrados, agentes de autoridade e funcionários públicos devem assegurar aos advogados, quando do exercicio da sua profissão, tratamento compatível com a dignidade da advocacia e condições adequadas para o cabal desempenho do mandato.
2. Nas audiências de julgamento, os advogados dispõem de bancada própria e podem falar sentados.”
.

O autor destas linhas, por deveres de ofício e pelo respeito que a toga lhe merece, nunca aceitaria assistir de pé a uma diligência e não deixaria de recorrer a todos os meios que a lei lhe confere para repôr a legalidade.

Seria preferível que os Exms. Magistrados se associassem a esta preocupação, pugnando pelas garantias da boa administração da Justiça, em vez de manifestarem escusadas susceptibilidades (ou se afadigarem em comentários de gosto duvidoso...).

Além de que, como referi num post publicado no primeiro dia deste Causidicus, convém ter presente a máxima de Calamandrei segundo a qual: "beca e toga obedecem à lei dos líquidos em vasos comunicantes: não se pode baixar o nível de um, sem baixar igualmente o nível do outro". A continuarmos nesta senda, qualquer dia, prezado L. C., até a sua bancada e cadeira podem estar em risco...
2004-03-01
 
BLASFÉMIAS: A FUSÃO DO ANO NA BLOGOSFERA!

A má notícia: Três dos melhores blogs lusos terminaram abruptamente (não, não foi esse...). Os finados Cataláxia, Cidadão Livre e Mata-Mouros têm lugar cativo na história da nossa recente blogosfera.
A boa notícia: Os seus autores juntaram esforços num novo blog. Ainda 2004 vai no começo mas desconfio que esta será a fusão bloguística do ano ou, pelo menos, uma séria candidata a esse título. Deve ser a retoma.
2004-02-29
 
Poema de Domingo:


A MARCHA ALMADANIM

Nos domingos antigos do bibe e pião
saía a Tuna do Zé Jacinto
tangendo violas e bandolins
tocando a marcha Almadanim.

Abriam janelas meninas sorrindo
parava o comércio pelas portas
e os campaniços de vir à vila
tolhendo os passos escutando em grupo.

Moços da rua tinham pé leve
o burro da nora da Quinta Nova
espetava orelhas apreensivo

Manuel da Água punha gravata!
Tudo mexia como acordado
ao som da marcha Almadanim
cantando a marcha Almadanim.

Quem não sabia aquilo de cor?
A gente cantava assobiava aquilo de cor
(só a Marianita se enganava
ai só a Marianita se enganava
e eu matava-me a ensinar)
que eu sabia de cor
inteirinha de cor
e para mim domingo não era domingo
era a marcha Almadanim!

Entretanto as senhoras não gostavam
faziam troça dizendo coisas
e os senhores também não gostavam
faziam má cara para a Tuna:
que era indecente aquela marcha
parecia até coisa de doidos:
não era música era raiva
aquela marcha Almadanim.

Mas José Jacinto não desistia.
Vinha domingo e a Tuna na rua
enchendo a rua enchendo as casas.
Voavam fitas coloridas
raspavam notas violentas
rasgava a Tuna o quebranto da vila
tangendo nas violas e bandolins
a heróica marcha Almadanim!

Meus companheiros antigos de bibe e pião
agora empregados no comércio
desenrolando fazenda medindo chita
agora sentados
dobrados nas secretárias do comércio
cabeças pendidas jovens-velhinhos
escrevendo no Deve e Haver somando somando
na vila quieta
sem vida
sem nada
mais que o sossego das falas brandas-
onde estão os domingos amarelos verdes azuis encarnados
vibrantes tangidos bandolins fitas violas gritos
da heróica marcha Almadanim!

Ó meus amigos desgraçados
se a vida é curta e a morte infinita
despertemos e vamos
eia!
Vamos fazer qualquer coisa de louco e heróico
como era a Tuna do Zé Jacinto
tocando a marcha Almadanim!

Manuel da Fonseca


Correspondência em atraso

Continua muito difícil o acesso ao mail.pt. Devo ter correspondência em atraso. Nada neste país funciona?


BLAWGS (2)

O Ad Libitum comentou o meu post sobre este assunto. Descobri assim mais um blog colectivo generalista em que o Direito marca presença.


MAIS AGRADECIMENTOS

da praxe a simpáticos e insensatos bloggers que criaram links para o Causidicus, a saber: Holocénico, respublica e (uns) meridianos.
2004-02-26
 
ECOS DA BLOGOSFERA:


Novidades nos blogs de Arqueologia

Foi criado esta semana o Holocénico, um blog com uma “perspectiva pós-plistocénica do mundo” no qual “as questões arqueológicas (...) merecerão um especial carinho”. A julgar pelos posts já publicados, vai dar que falar.

O Filipe e o Marcos anunciam um novo blog, dedicado à civilização romana (ver aqui).


Blawgs: blogs on law.

No universo dos blogs, muitos distinguem a galáxia Blawgs (ou dos Law Blogs). Um blawg é, como o nome indica, um blog especializado em temáticas jurídicas e/ou judiciárias ou em assuntos de especial interesse para pessoas da área do Direito (professores, estudantes, magistrados, advogados,...).

Já existem vários directórios de blawgs (como este dos EUA) e, pelo menos, um Blawg Ring.

Em Portugal, que saiba, o termo ainda não foi “aportuguesado” (à semelhança do famigerado “blogue”), talvez porque o fenómeno dos blawgs portugueses tem ainda escassa dimensão. São talvez mais numerosos os sites pessoais de juristas do que os blawgs propriamente ditos.

Falando apenas dos blogs portugueses que conheço e consulto regularmente (que são poucos), destacaria como blawgs “puros e duros” Os Cordoeiros e o Porta da Loja, curiosamente ambos muito ligados à área do Ministério Público. Podem também inserir-se na definição alguns blogs individuais generalistas nos quais o Direito é presença frequente (por ex. o Ignorancia, do causídico Pedro Guilherme-Moreira e o A Torto e a Direito, de Campos da Costa). Como parentes próximos temos vários blogs colectivos, ainda mais generalistas, mas que abordam com frequência e pertinência temas jurídicos, como, por ex., os bem conhecidos Causa Nossa, Carvalhadas-on-line, Grande Loja do Queijo Limiano, Mar Salgado e Mata-Mouros.

Há certamente muitos outros que infelizmente não conheço. Desde já agradeço sugestões de blawgs a consultar, de que aqui irei dando nota.


Agradeço

ao Jumento e ao Chamissassa os links para o Causidicus,

as simpáticas referências d’ Os Cordoeiros

e a amizade e interpelações para debate do incansável Blog do Alex.



ÚLTIMAS SOBRE GUANTANAMO:

Conhecidas as primeiras acusações (ler aqui e aqui).

Oficiais do Pentágono esclareceram que os prisioneiros de Guantanamo podem continuar detidos mesmo que venham a ser absolvidos pelos tribunais militares, caso sejam considerados um risco para a segurança dos EUA (ler aqui)!
2004-02-22
 
35º. Poema de Domingo:


Retrato do Artista em Cão Jovem

Com o focinho entre dois olhos muito grandes
por trás de lágrimas maiores
este é de todos o teu melhor retrato
o de cão jovem a que só falta falar
o de cão através da cidade
com uma dor adolescente
de esquina para esquina cada vez maior
latindo docemente a cada lua
voltando o focinho a cada esperança
ainda sem dentes para as piores surpresas
mas avançando a passo firme
ao encontro dos alimentos

aqui estás tal qual
és bem tu o cão jovem que ninguém esperava
o cão de circo para os domingos da família
o cão vadio dos outros dias da semana
o cão de sempre
cada vez que há um cão jovem
neste local da terra


António José Forte, Uma Faca nos Dentes, Parceria A. M. Pereira ed..
2004-02-19
 
Arquivos do Passado: conservar e fruir os achados arqueológicos

Foi recentemente divulgado no Reino Unido este interessante estudo, que analisa os encargos com o depósito, conservação e gestão do acesso a materiais arqueológicos à guarda de alguns museus.

Como há tempos escreveu o Marcos Osório, muitas das grandes descobertas arqueológicas são feitas ... nos depósitos dos museus. É sabido que a revisão de colecções antigas, à luz de novas perspectivas teóricas e metodológicas, revela com frequência grandes surpresas. Tanto mais que existem em depósito toneladas de materiais inéditos ou que nunca foram convenientemente estudados pelos seus achadores, fenómeno que está a ter um crescimento exponencial com a chamada arqueologia de salvamento, em que a minimização dos impactes se restringe, muitas vezes, à “conservação pelo registo”, postergando para as calendas o estudo científico dos resultados das intervenções.

Seria interessante conhecer em detalhe a realidade do depósito das colecções arqueológicas existentes em Portugal. Designadamente nos seguintes aspectos: Qual o ponto de situação do cumprimento dos prazos para a publicação e depósito dos espólios de trabalhos arqueológicos anteriores à vigência do actual Regulamento de Trabalhos Arqueológicos (D.-L. nº. 270/99, de 15 de Julho, alt. pelo D.-L. nº. 287/2000, de 10 de Novembro)? E dos prazos de depósito de espólios e documentação de campo dos trabalhos efectuados na vigência do actual Regulamento? Que materiais se encontram em depósito provisório e em depósito definitivo? À guarda de que entidades? Qual a dimensão das situações em que os arqueólogos continuam fiéis depositários dos espólios sujeitos a depósito? Em que medida estão a ser cumpridos os procedimentos e prazos para a conversão dos depósitos em definitivos? Em que locais e condições de armazenagem se encontram os materiais em depósito, provisório ou definitivo? Quais os regimes de inventariação, conservação, estudo e gestão de acesso aplicáveis? Quais os custos envolvidos?

Este levantamento, a existir, carece de maior divulgação (desde já agradeço a quem me possa dar pistas para a consulta deste tipo de informação). A não existir, não se vê como, na ausência destes e de outros indicadores, pode ser delineada uma política consequente de conservação e fruição do nosso património arqueológico.


Rule of Law?

Guantanamo: às detenções arbitrárias, seguem-se agora libertações arbitrárias e discriminatórias, baseadas em negociações entre os EUA e alguns dos seus aliados (ler aqui). Há algo de medieval (para não ir mais longe...) neste tráfico de detidos entre estados soberanos, ditos de Direito. Os pais fundadores da democracia americana estão certamente às voltas no túmulo.
2004-02-13
 
Esta está a ser uma semana impossível em termos de trabalho. Como a indisponibilidade do Causidicus se vai prolongar para o fim de semana, aqui fica, em avanço, o poema do próximo domingo:


Vers à danser

Que ce soit dimanche ou lundi
Soir ou matin minuit midi
Dans l'enfer ou le paradis
Les amours aux amours ressemblent
C'était hier que je t'ai dit
Nous dormirons ensemble

C'était hier et c'est demain
Je n'ai plus que toi de chemin
J'ai mis mon coeur entre tes mains
Avec le tien comme il va l'amble
Tout ce qu'il a de temps humain
Nous dormirons ensemble

Mon amour ce qui fut sera
Le ciel est sur nous comme un drap
J'ai refermé sur toi mes bras
Et tant je t'aime que j'en tremble
Aussi longtemps que tu voudras
Nous dormirons ensemble


Louis Aragon
2004-02-08
 
POEMA DE DOMINGO:


Não, não é cansaço...
É uma quantidade de desilusão
Que se me entranha na espécie de pensar,
E um domingo às avessas
Do sentimento,
Um feriado passado no abismo...

Não, cansaço não é...
É eu estar existindo
E também o mundo,
Com tudo aquilo que contém,
Como tudo aquilo que nele se desdobra
E afinal é a mesma coisa variada em cópias iguais.

Não. Cansaço por quê?
É uma sensação abstracta
Da vida concreta —
Qualquer coisa como um grito
Por dar,
Qualquer coisa como uma angústia
Por sofrer,
Ou por sofrer completamente,
Ou por sofrer como...
Sim, ou por sofrer como...
Isso mesmo, como...

Como quê?...
Se soubesse, não haveria em mim este falso cansaço.

(Ai, cegos que cantam na rua,
Que formidável realejo
Que é a guitarra de um, e a viola do outro, e a voz dela!)

Porque oiço, vejo.
Confesso: é cansaço!...


Álvaro de Campos

(in Fernando Pessoa, Obra Poética, II vol., Lisboa, Círculo de Leitores, 1986, pp. 278-280).


Agradeço mais um link

aos autores do Carvalhadas-On-Line.
2004-02-05
 
Mais notícias de Guantanamo:

Supreme Court temporarily preserves isolation of Guantanamo terrorism detainees
(ler aqui).

Agora a brincar...

(ler aqui)


Plano Nacional de Trabalhos Arqueológicos (PNTA)

O IPA acaba de anunciar o resultado do concurso para ...2003. E diz que em 2004 não há concurso ... porque não há verba. Assim vai a investigação científica e a preservação do património arqueológico em Portugal.
2004-02-03
 
Law firms, it turns out, are finding that they need their own lawyers to advise them on how to practice law.

Ler aqui.


Defensor militar questiona processos de Guantanamo

“(...)
Navy Lt. Cmdr. Charles Swift said he hopes the tribunal rules are reformed to ensure fairness in the case of his client, Salim Ahmed Hamdan of Yemen. He said the legal structure's main problem is that it concentrates authority under the U.S. president.

"If you put all the powers to prosecute, try and execute a sentence in one person's hands, that is the absolute antithesis of the checks and balances in the system of government we have," Swift told The Associated Press during his first visit to the U.S. base in eastern Cuba.”


Ler aqui.

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